A Anvisa alega que a nova lei proposta estabelece que só devem ser
proibidos agrotóxicos cuja avaliação apontem que eles têm "risco
inaceitável". Mas as nove substâncias vetadas usadas por ela como
exemplo (Endossulfam, Cihexatina, Tricloform, Monocrotofós,
Pentaclorofenol, Lindano, Metamidofós, Parationa Metílica e Procloraz)
são consideradas de difícil avaliação. O órgão diz que em apenas uma
delas foi possível determinar uma dose segura para uso, mas o uso desse
mesmo produto - Cihexatina - já foi considerado inaceitável em seis
países.
Com a meta de desburocratizar e acelerar o registro, o novo projeto de
lei concentra a aprovação no Ministério da Agricultura e prevê a
liberação de registros temporários, mesmo sem a conclusão da análise de
órgãos reguladores. Por isso a Anvisa teme até mesmo que fabricantes dos
nove produtos proibidos ou de outros com problemas similares usem a
flexibilização da lei para conseguir que eles sejam usados nas lavouras.
Agrotóxicos proibidos pela Anvisa (2009-2015)
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Critério de risco
O projeto de lei (PL) 6299, de 2002, é de autoria de Blairo Maggi (PP),
atual ministro da Agricultura. Segundo o deputado Luiz Nishimori (PR),
relator do PL, o critério de risco inaceitável será determinado pela
Anvisa e pelo Ibama, de acordo com os artigos 6º e 7º da nova lei. Ele
diz ainda que o Brasil seguirá outros países em que estudos
laboratoriais estipulam quais os limites de ingestão diária das
substâncias.
"As análises de Limite Máximo de Resíduos (LMR) e Ingestão Diária
Aceitável (IDA) de cada substância seguem protocolos internacionais de
segurança que continuarão sendo obedecidos na nova legislação. Se um
produto for submetido à avaliação de risco, e Ibama, Anvisa ou MAPA
identificarem um risco inaceitável, não será liberado para a
comercialização".
Apesar de condicionar a aprovação ao aval dos órgãos reguladores, a
perspectiva do relator do projeto é criticada por opositores que chamam a
medida de "PL do Veneno" e pela própria Anvisa.
A Anvisa considera que uma substância será proibida caso não seja
possível estabelecer qual a dose segura para o consumo. Nesses casos,
diz a agência, "o risco é sempre inaceitável".
Para a agência, contudo, o projeto dá margem para que essas substâncias
sejam autorizadas do jeito que o projeto está - e, por esse motivo, é
necessário que o tema seja regulamentado, com detalhamentos mais exatos.
"Em termos gerais, o PL estabelece que poderão ser registrados produtos que possuem características de mutagenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade, desregulação endócrina, que causem dano ao aparelho reprodutor e, ainda, que sejam danosos ao meio ambiente", disse a Anvisa, em nota ao G1.
Novo ponto de corte
Segundo Cláudio Meirelles, pesquisador da Fiocruz, que esteve à frente
da Gerência Geral de Toxicologia (GGTOX) da Anvisa por 14 anos, a nova
lei tira "um ponto de corte" que a atual legislação tem.
"A atual lei estabelece o seguinte: se tem o potencial de causar câncer, tem de tirar do mercado. Esse é o critério do perigo. Há um ponto de corte claro aí. Para o gestor, isso é impeditivo de registro" - Luiz Cláudio Meirelles (Fiocruz).
"O que a nova lei pretende é estabelecer um novo critério: o de
avaliação de risco, o que deixa tudo no vácuo. Há uma tentativa aí de
fazer esgotar ao máximo todos os estudos e aceitar o risco já colocado
em estudos experimentais", conclui o pesquisador.
Para Meirelles, na prática, a nova lei aceita o risco porque é
impossível avaliar em humanos se a substância A causou o câncer B.
"Além de ser totalmente inaceitável e antiético fazer um estudo desse
em humanos, mesmo com estudos epidemiológicos, a gente sabe o quanto é
difícil essa briga. Só ver o caso do tabaco e do amianto. E a gente não
tá falando de uma substância. Estamos falando de 500."
Outro ponto é que a avaliação de risco, nesse caso, seria teórica e baseada em modelos matemáticos.
"Eu estabeleço ali, por exemplo, que ao colocar um item de segurança Y,
é possível reduzir o risco em X% a cada 1000 mil pessoas, por exemplo.
Mas trabalhar com um critério matemático desses, em produtos
potencialmente cancerígenos, é muito complicado."
Meirelles pontua que, nesse momento, "só Deus sabe o que vai acontecer
com essas substâncias" em que não é possível fazer uma avaliação de
risco por não haver limiar de dose.
"Um complicador é que a nova lei tira o poder de veto da área da saúde e do meio ambiente. O risco é sempre indesejado. A gente tem sempre de evitar. É uma questão de princípio."
O relator da nova lei discorda. Nishimori diz que ela seguirá
protocolos internacionais de segurança com parâmetros que são
estabelecidos por estudos laboratoriais para determinar o que seria uma
"dose segura".
"Funciona como nos medicamentos. Existem vários remédios que trazem na bula a informação de que são teratogênicos ou carcinogênicos e, apesar disso, são receitados pelos médicos e utilizados pelos pacientes, como a isotretinoína (Roacutan), o metronidazol ou a azatioprina. Em atenção às recomendações de dosagem e periodicidade prescritas, as substâncias são seguras, cumprem o efeito esperado e os riscos estarão controlados" - Nishimori
"Substâncias do nosso cotidiano, como cafeína e aspartame, se
consumidas inadequadamente, também podem ter potencial cancerígeno e nem
por isso são proibidas", defende o relator do projeto.
Mudanças previstas no PL 6299/2002
- APROVAÇÃO - O processo de aprovação de agrotóxicos passará a ser concentrado em só uma entidade ligada ao Ministério da Agricultura. Hoje ele tramita em paralelo em três órgãos: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde e do Ministério da Agricultura.
- ANÁLISE DE RISCO - Empresa dona do produto deve apresentar estudo. Produtos com "risco aceitável" devem ser aceitos.
- LICENÇAS TEMPORÁRIAS - Lei prevê liberar licenças temporárias. Hoje, processo de liberação regular pode levar até oito anos.
- NOMENCLATURA - Passará a ser usado os termos "defensivos agrícolas" e "produtos fitossanitários" no lugar de "agrotóxico".
Do G1
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